Samuel Ramos: 80’s? Bah, sarei!!!


Muitas posturas e ideologias marcaram os 80’s. Historicamente, foi uma década marcada pela polarização Tio Sam versus Tio Gorbatchev, capitalismo versus comunismo, uma década de atritos ideológicos que se resumiam nos extremos de dois pólos. Culturalmente, foi a década da Indústria Cultural. Efetivamente. Nunca, como nos 80’s, a noção de "pop" esteve tão arraigada numa cultura.


Até o início da década de 80, o mundo ainda era meio fechado em si mesmo. As barreiras físicas existiam de maneira muito mais "concreta" do que nos anos 90. Certo que desde os 60, com a televisão e o rádio adquirindo caráter de "comunicação de massa" muitas dessas "barreiras" ruíram através de projetos de "integração" promovidos pelos media. Porém, foi somente na década de 80 que a mídia contemporânea passou a atingir sua maturidade, enquanto produção de sentidos e, consequentemente, de produção de valores culturais. Até então, tanto no plano da produção, quanto no âmbito da disponibilidade tecnológica, muito era experimentado, sem que, no entanto, se obtivesse uma noção de "fórmula ideal" ou de "caminho das pedras" para a Indústria Cultural.


Nos anos 80 a sociedade mediatizada passou a alcançar o auge da política de consumo, e também o auge da produção kitsch (que pode ser encarada como um viés ou mesmo a própria produção pop). Nos anos 80 o mundo se organizava em torno de um único discurso, o discurso da massa, do povo. Uma concepção elitista e preconceituosa que colocava em padrões comuns as pessoas, deixando pendente a noção de individualidade. Com certeza a década de 80 foi a das certezas, das definições, geralmente voltadas e resumidas no mercado da Indústria Cultural.


Muita merda musical foi produzida nos 80, de acordo com esse postulado kitsch e de homogeneização de mercado. Não ouso aqui citar bandas, mas quem tem o mínimo de imparcialidade musical e técnica, para não dizer senso de ridículo, vai compreender que a cultura pop anos 80 foi terrivelmente fraca em termos de conteúdo e por que não, de qualidade técnica.


Mesmo com a consolidação de várias correntes culturais, essas se resumiam em conceitos quase herméticos de algum rótulo. Roqueiros, metaleiros, pop, punk, etc e etc. Mesmo as individualidades obedeciam certos padrões, estavam ligados a um certo discurso, e a década de 80 foi a década dos discursos. Seja explicando, qualificando, vendendo. Sempre os discursos.


Uma das principais caracterísiticas musicais dos 80 foi justamente a busca por esse discurso ideal, essa matriz que "colocava sob um denominador comum a cultura e a estética". A postura das bandas e músicos era absolutamente kitsch, a estética horrível. A noção de futurismo então? Benzadeus, homens vestidos com roupas luminosas e plásticas, sexo pelo computer... O visual das bandas? Um show: cabelo comprido com franja, homens com maquiagem de mulher mas com cara de mau, calça colant, lenço de estrela na cabeça, óculos de sol estilo Amber Vision e sobretudo, uma postura fake, de "rebeldia" contra a sociedade, contra o "sistema", de maneira absolutamente alienada. Seja você mesmo, desde que você seja assim e compre e ouça nossa música. Argh!


Muito pouco, prá não dizer quase nada, foi criado. Tirando alguns estilos mais alternativos, a massa parecia entorpecida pela novidade do consumo da Indústria Cultural, da música pop, e o que foi pior, de pop ruim, de baixa qualidade sonora e técnica.


Os 90 vieram com outra cabeça. Uma cabeça mais pós-moderna. A sobrecarga cultural e a falta de tempo livre do homem e da mulher do 90 faz com que não se possa absorver tudo que a "Indústria Cultural" (sim, nos 90 ela fica entre aspas) oferece, pois a velocidade da informação, da cultura e da estética é muito mais rápida, mais fugaz, e nosso ritmo também, o que nos obriga a selecionar melhor o que faremos dos nossos minutos de folga e com os parcos centavos que ostentamos na guaiaca. Bandas nascem num dia e morrem no outro. Então, reconhecidas as limitações desses contextos, o termo "massa", "povo", começa a ser reavaliado. Será que ainda existem?


Pela internet se produz muito. Muito. Todos podem ser, através dela, produtores e não só consumidores de meios de comunicação, tendo para tal, o suporte técnico necessário, que convenhamos, mesmo estando longe do ideal em termos de custo, está cada vez mais acessível. O monopólio da produção cultural está em vias de desligamento da "Indústria Cultural", está se abrindo para mim e para ti a possibilidade de sim, produzir cultura, de sim torná-la acessível para outras pessoas. Com mais opções de produção, um novo consumo também é organizado, em torno da segmentação, da individualidade. Se tu gosta de reggae não precisas ouvir rádios que toquem outras coisas junto com reggae. Se tu queres assistir filmes, prá que ver a novela antes. Tem um canal de filmes prá que? Eu acredito que o cerne anos 80/90 está aí. Nos 80 a distribuição e a produção musical estava fechada, monopolizada. Grandes gravadoras comandavam o mercado, ditavam o que se podia ouvir. Nos 90 a produção, bem ou mal, foi colocada em diversas mãos.


Julgo que a década de 80 foi morta. Passamos a maior parte do tempo girando em torno de nossos umbigos enquanto assistíamos televisão, tomávamos partido entre os capitalistas e os comunistas e não enxergávamos nossas próprias vidas. Uma série de práticas altamente periculosas foi institucionalizada nos 80, todas relacionadas com a inaptidão do cérebro e com horas de Atari jogando River Raider, tomando Baré Cola com Miliopã! E o pior. No intervalo da jogatina assistindo Juba & Lula e Tv Pirata! Argh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Samuel Ramos. Estudante, fanzineiro (www.tijolao.cjb.net) e chato que odeia os anos 80.

 

outros colaboradores