Edson Fukuda: Confissões de um fã de meia-idade
Ok, devo confessar: nem sempre fui fã de Golden Shower. Ouvi falar deles, acho que da mesma maneira que todo o resto do mundo: quando estourou o escândalo do Kraftwerk.
Pra quem não é daquela época, farei um breve resumo: lá pelos idos de 1980, 81, o Kraftwerk estava no auge. Uma verdadeira febre. Até que um belo dia, alguém foi aos jornais e revelou que os alemães não tocavam nada. Eram apenas rostinhos bonitos dublando alguém apertando botões. E que esses botões eram, na verdade, pilotados por dois rapazes geniais (que sem a perspectiva de um bom contrato, aceitaram ser "ghost musicians" daqueles que de tão bonitos pareciam bonecos, mas que não sabiam sequer bater à máquina, quanto mais tirar som de computador).
Então, da noite para o dia, estes geniozinhos da mecatrônica viraram celebridades. Todo o universo focaram olhares em direção de Markus Karlus e Kevin Rodgers, os verdadeiros pais da música eletrônica. E eu, como fã que era do Kraftwerk, senti-me traído, achava que tudo não passava de intriga da oposição para acabar com meus ídolos. Para se ter uma idéia do quão traumático esse episódia foi para mim, jurei que nunca mais voltaria a ouvir música eletrônica.
E assim foi até que, em 18 de fevereiro de1984 (lembro-me bem da data porque acabei perdendo os dentes, mas isso eu conto depois) fui até às lojas Mesbla disposto a comprar o mais recente LP do SoftCell (meus novos ídolos desde então) e acabei me deparando com aquela capa dourada com gotas em alto-relevo trazendo apenas as palavras "golden" e "shower" em furta-cor. Senti um arrepio que vinha do cóccix, alojando-se no maxilar, que me fez perder o chão. Resultado: caí com o disco na mão, achando se tratar de um sinal divino. Deveria, então, resolver aquela antiga pendência de uma vez por todas.
Acabei levando o LP dourado e o compacto-simples de "Tainted Love" do SoftCell para casa. Coloquei a bolacha grande que, para minha surpresa também era dourada, na vitrola e não acreditei no que ouvi. Da primeira à última faixa, tudo era infinitamente melhor do que qualquer coisa que eu já tivesse escutado do Kraftwerk. Fiquei com mais raiva ainda porque parecia provocação. Só porque seus nomes não apaceciam, esses canalhas não fizeram tudo o que sabiam em prol dos meus queridos alemães! E agora como Golden Shower, lançavam uma obra-prima daquele quilate? Ai quanto ódio...
Mas como não sou tonto, mandeu Marc Almond para as cucuias, e voltei minha atenção novamente para o GS, numa relação pontuada por amor e ódio.
Primeiramente, guardava tudo o que saía da dupla nos periódicos e em revistas especializadas: de "NME" a "Bravo". De "The Face" a "Capricho". E gravava suas participações em programas como "Fantástico" e "Som Pop" (de onde consegui o que tenho de mais precioso: o antológio clipe de "Luxo em Burgo" todo gravado em Mônaco com participação especial da princesa Stephanie de kimono e tranças, em cima de um Porshe vermelho. Um marco na história do videoclipe. A partir de suas tomadas inovadoras, Mark Romaneck, o grande mago dos clipes atuais e que dirigiu, entre outros, alguns clipes de Madonna e Janet Jackson, resolveu seguir o mesmo rumo ).
Mergulhando um pouco na vida pessoal da dupla, muita coisa foi publicada mas quase nada é verdade. Comecemos, pois, por Markus Karlus. Nascido Mark Philip Agronoukarlous, em Creta (Grécia) no ano de 1959, migrou para os EUA aos 8, porque seu pai, um importante empresário da área do curtume, foi abrir a filial americana de suas indústrias em Nova Jersey. Sua mãe, uma notória cantora lírica dos anos 30, abandonou a família para se casar com o presidente da Guatemala. Já em Nova jersey, o pequeno Mark não tardou a conhecer um garoto franzino, porém com fama de briguento, chamado Kevin Julian Arnold Rodgerick II. Filho de um arostocrata falido, desde pequeno Kevin sonhava com o estrelato. Inicialmente queria ser boxeur. Mas graças ao seu físico discreto, trocou o ringue pelos palcos. Auto-didata, aprendeu sozinho a tocar guitarra, baixo, bateria e oboé. Não satisfeito, foi aprender a linguagem cobol. Nascia, assim, a semente do Golden Shower.
Aparentemente sem nada em comum, os dois pequenos tinham, ao menos, um interesse compatível: a linguagem cobol. Descobriram que tudo podia ser convertido em música. Computador, pau de macarrão, método Kumon. Enfim, o mundo era uma grande orquestra.
Economizaram a mesada de três anos e compraram o primeiro video-game. Com mais dois meses de economia, conseguiram um Genius. E após um ano de investimentos, conquistaram um Merlin. A partir daí, criaram sem parar canções que, mais tarde arrebatariam o universo. Seja como Kraftwerk, seja como Golden Shower.
Já famosos, colecionaram romances tórridos: Kevin quase chegou a se casar com Kim Wilde. E Markus teve um filho não reconhecido de Sheena Easton. Isso sem contar em Wendy (vocalista do Transvision Vamp); na atriz pornô Amber Lynn; na estrela de Dallas Victoria Principal e na tenista Martina Navratilova. Nesta época começaram a surgir os primeiros indícios do boato que enterrariam de vez a brilhante carreira do GS: um jornalista húngaro declarou que todas estas mulheres não passavam de fachada para esconder o verdadeiro romance entre os dois astros. Inclusive, que já haviam se casado no Caribe e, aproveitando a passagem da turnê de 87 pelo Marrocos, Markus havia se submetido a uma cirurgia de mudança de sexo. Tudo especulação. Porém, jamais negado por ambos.
Após essa avalanche de boatos, a popularidade da dupla começou a decair. As fãs há muito os havia trocado pelo Depeche Mode e as vendas de seu terceiro álbum "Sonido Electrônico - a Journey to the Heart of the Apple" só foram favoráveis no Japão.
Aos poucos, o GS foi perdendo espaço nas rádios até que sumiram por completo. Hoje em dia não se sabe o que andam fazendo seus integrantes. A última notícia data de 1996, quando Kevin Rodgers foi preso por porte ilegal de armas após ter tentado matar uma fã de 45 anos.
Com a onda de revivals que assola o mundo nesta virada de século, parece que estão querendo ressuscitar a dupla. Até clipe na MTV eles têm. Porém, ninguém sabe por onde andam as duas estrelas que sacudiram o showbizz nos loucos anos 80. Uma pena.
Quem souber de seus paradeiros, por favor escreva.
Discografia:
- Golden Shower vol. 1(1984)
-Video Computer System - featuring the mega-hit Luxo em Burgo (1985)
- Sonido Electrônico - A Journey to the Heart of the Apple (1987)
- Golden Shower - The Essential Collection (2000)